Autismo: a hora do avanço
Lei garantindo direitos da pessoa com este transtorno é arma na luta que atinge dois milhões de brasileiros
“Transtorno do espectro autista não é luto, é luta.” A frase é da pediatra Kátia Semeghini Caputo, especialista no diagnóstico de autismo, mãe de uma criança portadora do transtorno e presidente da Associação dos Familiares e Amigos dos Portadores de Autismo de Bauru (Afapab). Esta luta ganhou um aliado no final do ano passado, com a promulgação de lei instituindo a política nacional para proteção aos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista. Estima-se em dois milhões o número de autistas no Brasil – três vezes o número de pessoas com síndrome de Down, por exemplo. Mas o transtorno ainda é pouco conhecido e extremamente mal compreendido.
Eder Azevedo
Afapab utiliza método TEACCH de ensino, considerado o mais adequado para crianças autistas
O autismo tem vários níveis, que vão desde portadores com inteligência preservada e, muitas vezes, alguma habilidade extraordinária e boa cognição, outros que têm dificuldades de se comunicar e interagir e manias até casos mais graves, quando o autista apresenta séria deficiência intelectual, não consegue se comunicar verbalmente e não tem autonomia. Porém, pontos em comum são observados em todos os níveis: comprometimento na área de comunicação e linguagem, distúrbio de socialização e interesses restritos e comportamentos repetitivos. Este universo plural de portadores do autismo também tem um fator em comum: todos precisam de atendimento adequado para poderem se desenvolver.
A promulgação da lei vem ao encontro desta demanda e deve ser uma ferramenta para que estes cidadãos tenham respeitados seus direitos. Caputo entende que a lei é o primeiro passo. “A lei ajuda muito porque é uma forma das pessoas estarem conhecendo o transtorno. Em relação ao que está no papel ir à prática, é um próximo passo. A cartilha que fala do direito da criança autista tem quase 100 páginas. Tem que ser um trabalho em longo prazo”, declara a pediatra.
Caputo entende ainda que a lei vai ajudar entidades que prestam atendimento as pessoas com transtorno, mas faz uma ressalva na maneira que o texto será aplicado, cobrando ações. “É um reforço para tudo o que já estamos batalhando. A gente espera que a inclusão aconteça de uma forma adequada. Não simplesmente falando ‘vamos incluir os autistas’. Mas sim: ‘vamos nos preparar para incluir os autistas’. Vamos ver como vai acontecer na prática”, condiciona.
Bauru
Em Bauru, não existem estatísticas precisas do número de portadores do transtorno do espectro autista. Mas somente Caputo, em três anos, já diagnosticou aproximadamente 100 crianças. “O que eu posso falar é que o número é muito maior do que pode existir cadastrado. Muitas crianças com transtorno sofrem bullying porque têm um comportamento diferente, apesar de ter a inteligência preservada. Elas, muitas vezes, não entram na estatística”, explica a médica.
A Afapab proporciona tratamento multidisciplinar a crianças com transtorno do espectro autista. A associação atende, no momento, 12 crianças. O número não é nem metade do que poderia assistir, uma vez que a estrutura física comportaria 25 com o transtorno. O empecilho é a verba para contratar profissionais capacitados para trabalharem com as crianças. A Afapab adota o método de ensino TEACCH, considerado o mais adequado para crianças autistas e que define um professor e um monitor para cada quatro crianças com transtorno moderado. Nos casos graves, a proporção aluno/professor é de um por um.
Caputo destaca que o atendimento correto implica ainda em ter fonoaudiólogo, psicóloga e terapeuta ocupacional. “Atendemos crianças moderadas e graves. Poderíamos ampliar, mas não temos recursos para isso. Precisaríamos de mais quatro professores e quatro monitores. O difícil é o material humano”, lamenta a pediatra.
A Afapab presta atendimento para diagnóstico às terças-feiras na parte da manhã, com agendamento prévio. “O pai, a mãe que tiver uma dúvida se seu filho está tendo um desenvolvimento não típico, estamos abertos para avaliar esta criança”, conclui Caputo. A associação localiza-se na rua Antônio Garcia, 6-50. O telefone é (14) 3223-2569.
Causa é neurobiológica
O autismo tem causa neurobiológica. Isto quer dizer que é genético e, portanto, não há uma “cura”. Os estudos mais recentes apontam que os neurônios dos autistas são mais curtos e possuem menos ramificações, o que compromete a condução, transmissão e processamento de informações. Portanto, o tratamento adequado visa proporcionar alta funcionabilidade a pessoa com deficiencia. “O que significa ser altamente funcional? Significa que ele vai ler, escrever, ter autonomia, vai ser produtivo. Estas crianças progridem, se forem estimuladas corretamente, evoluem”, frisa Caputo. “Se não forem devidamente estimuladas, é lógico dependendo do grau, vão ser autistas graves”, constata a pediatra.
Caputo ressalta que portadores considerados altamente funcionais e leves conseguem perfeitamente acompanhar as crianças típicas. “Eles indo para uma rede de ensino que tenha o adequado para cuidar delas, acompanham. Com as graves, já não acontece isso. Elas precisam de um local especializado para poder prepará-las para serem incluídas”, finaliza a médica.
Informação é qualidade de vida
Os principais problemas que cercam o autismo são justamente o desconhecimento e o preconceito. O primeiro impede a identificação prematura do transtorno e o segundo, muitas vezes, dificulta que o portador tenha acesso a atividades importantes em seu desenvolvimento. A falta de conhecimento se estende até aos profissionais da área de saúde, o que frequentemente acarreta atraso no diagnóstico do transtorno. A demora é extremamente prejudicial, pois quanto mais cedo for identificado o autismo e for iniciado o trabalho específico, melhores são as perspectivas de desenvolvimento da criança. Portanto, neste caso, informação é a principal arma, o começo para um diagnóstico precoce e uma abordagem adequada para propiciar progresso e melhorar a qualidade de vida do autista e de sua família.
“Os pediatras, que geralmente são os médicos das crianças, não sabem diagnosticar o autismo. Nossa luta é para dar cursos e ensinar mesmo a ter este diagnóstico”, declara Thaís Borges Savi, mãe de Augusto, que tem nove anos e é portador do transtorno do espectro autista. O diagnóstico ocorreu há dois anos e somente depois de procurar a Associação dos Familiares e Amigos dos Portadores de Autismo de Bauru (Afapab). A falta de qualificação e preparo para o diagnóstico é emblemática no caso. “Meu filho tem um autismo leve. Ele foi diagnosticado faz dois anos. Foi bem tardio, porque com alguns meses, se a gente observar, já consegue diagnosticar. O dele foi tardio porque, além do autismo, ele tem um atraso motor e neurológico. Eu fiquei sabendo da associação através de alguns amigos e o levei lá, onde foram feitos alguns testes e foi diagnosticado”, relata.
O principal esforço de pais de autistas é justamente para que os pediatras, que são os médicos que têm contado direto com as crianças, tenham mais informações sobre o transtorno e propiciando que diagnóstico possa ser precoce. “Não tem exame para detectar o autismo, o diagnóstico é feito clinicamente. É feito através de observação. Isso é bem complicado. Às vezes, a mãe começa a desconfiar e leva ao pediatra. Se o pediatra não tiver informação, vai acabar esperando”, aponta Savi. É aí que ocorre a perda de um tempo precioso.
A pediatra Kátia Semeghini Caputo, especialista no diagnóstico do transtorno, explica que o exame clínico precisa ser minucioso. “Autismo não tem um marcador biológico. Existem muitos estudos, mas nenhum marcador do transtorno do espectro autista. Para conseguir fechar um diagnóstico, principalmente para as crianças que são leves e moderadas, é necessário fazer testes que demoram uma hora e meia, duas horas. Às vezes, você precisa de uma equipe para fazer isso: um neurologista, um otorrinolaringologista, um oftalmologista, que tenham condição de descartar outras patologias que possam estar prejudicando o desenvolvimento desta criança”, salienta.
Além disso, é importante que todos os profissionais envolvidos em atividades com crianças tenham o conhecimento básico para identificar e lidar com o autista. “Na escola, a maioria das professoras não sabe lidar. Aí, começa a reparar que a criança fica isolada em um canto”, pontua Savi. Caputo destaca que a Afapab também atua nesta frente. “Fazemos orientações para professores e até para escolas de fora de Bauru que vêm nos procurar”, comenta.
O objetivo de informar é que nenhuma criança autista precise esperar chegar à idade escolar para “descobrir” que tem o transtorno. “Estamos tentando divulgar porque a criança com menos de um ano, se for mesmo autista, já apresenta alguns comportamentos característicos”, acentua Savi. “Se o pediatra tiver um preparo para dar valor ao que a mãe fala, pode ajudar no diagnóstico precoce. E os pais precisam não ter medo de perceber. Isso pode ajudar estas crianças”, conclui Caputo.
Manifestação no dia 2 de abril
A Afapab vai promover no dia 2 de abril, data mundial de conscientização de autismo uma caminhada na avenida Getúlio Vargas, em Bauru. O evento tem saída marcada para a Praça Euflávio G. de Carvalho, em frente à Polícia Federal. Os participantes seguirão no sentido Altos da Cidade até o final da avenida e retornam ao ponto de partida.
A manifestação está agendada para ter início às 18h e a organização pede aos participantes que vistam azul, a cor do autismo, e revela que haverá distribuição de panfletos informativos.
JCNET