Há 14 anos um acidente fez Márcio passar a ver a vida vertical. Antes bastava ele olhar para frente para enxergar. Tetraplégico, numa cadeira de rodas, é de baixo para cima que os olhos veem o mundo desde então e há quatro anos ele pega de dois até quatro ônibus para chegar ao Shopping Campo Grande. Sai do bairro Parati com destino ao comércio apenas para ver gente e o movimento. Nos últimos seis meses, a “viagem” ganhou outro valor: de estudar Inglês usando o wi-fi do lugar.
“O que eu vou fazer? Como eu já estava vindo aqui todo dia, pensei em fazer alguma coisa útil”, explica Márcio Ribeiro, de 43 anos. Ele dirigia o carro da vizinha, junto da então esposa, de Campo Grande até Bela Vista, onde as duas ocupantes do veículo trabalhavam, quando dormiu no volante, perdeu a direção e capotou. Do acidente, Márcio saiu tetraplégico.
Nos primeiros anos como cadeirante, passava os dias trancado num cyber. “Ficava 4, 5h lá. Um dia a dona falou: para de vim aqui, sai um pouco. Vai descobrir a vida lá fora. Eu nunca tinha andado de ônibus como cadeirante. Escolhi vir aqui e gostei de ver gente, de respirar, tanto é que não parei mais”, descreve.
Dentro da trajetória como cadeirante, ele conta ter resolvido estudar Gestão em Marketing, curso pelo qual hoje é formado. Evangélico, passou a notar que as visitas de pastores americanos à igreja que frequenta sempre necessitavam de intérpretes do Inglês para o Português.
“Por que eu não vou traduzir? Vou aprender então. E resolvi estudar. Se você fala Inglês, te abre muitas portas”, sintetiza Márcio. Não são seis meses ininterruptos, esclarece, já tiveram dias em que ele “faltou”. O motivo principal não é nem o wi-fi, porque isso ele tem em casa também. “Eu venho no shopping porque em casa me dá sono, eu durmo ao invés de estudar”, diz.
“Eu estou aprendendo já a montar frases, agora que vai ficando mais difícil. Você sabia que shopping em inglês quer dizer compras? E que mall é shopping?”, conta sobre as aulas.
Aposentado, ele já tentou fazer curso de Inglês em escolas, mas os planos se frustraram quando uma negociação não saiu como o planejado. Márcio tinha duas cadeiras motorizadas, pôs uma à venda por R$ 3 mil. Grana que seria revertida para custear as aulas.
“O cara que comprou foi turbinar e queimou. Ele torrou a cadeira. Conclusão? Ele me deu mil reais e o resto eu deixei para lá, ele não tinha como pagar”, explica.
No shopping ele diz que já chegou a ganhar presentes de lojistas, desde lanche até colchão de ar e celular.
Em casa, a rotina dele é acompanhada por cuidadores. Ele dorme às 9h da noite, acorda 10h da manhã, almoça e sai de casa por volta do meio-dia. Só volta depois das 5h. Todo trajeto é feito de ônibus, de dois até quatro.
Fonte: www.campograndenews.com.br