Um dos quadros mais queridos do Programa da Sabrina, o Figurinhas do Brasil encontrou uma história de vida e superação surpreendente. Sabrina Sato foi até o bairro da Liberdade, em São Paulo, para conhecer Luiz Henrique Medina. Antes de se tornar atleta referência no tênis de mesa, ele contou como superou uma lista de deficiências, uma vez que não possui os braços, a língua e uma das pernas, e como driblou a desconfiança das pessoas sobre sua capacidade.
Hoje com 64 anos, Luiz Henrique dedicou seus últimos 16 ao esporte. Para se sair bem nas competições e dar dor de cabeça aos adversários, o atleta paraolímpico treina três horas por dia às segundas, quartas e sextas.
— Eu trabalhava em um hospital, me aposentei e pensei o que eu ia fazer da vida. Como tinha uma leve noção de tênis de mesa, resolvi entrar e para ganhar.
Embora seja conhecido como Luiz Henrique, pessoas próximas o chamam de Kaike, apelido que pegou de vez desde seus 6 anos de idade.
— Kaike veio quando ganhei essa perna mecânica. O pé é como se fosse uma canoa, que em alguns lugares se chama caiaque. Daí, alguém começou a me chamar de Kaike e ficou assim até hoje.
Sabrina gostou de ver o atleta ainda bem novinho.
— Olha que fofo! Você brincando aqui!
Apesar da carinha sorridente no clique enquanto se divertia, Kaike conviveu com momentos tristes e revoltantes desde muito cedo.
— Nasci em São Paulo e dizem que foi no Hospital São Paulo. Quando nasci, eu fui encontrado em uma caixa de sapatos em uma calçada do Hospital São Paulo. Dois guardas viram que a caixa estava se mexendo e eu estava na caixa. Eles me levaram para o Juizado de Menor. Isso é o que me contam. Como não conheci meus pais…
Foi lá que ele foi criado por várias pessoas diferentes.
— Do Juizado de Menor, eu fui levado com 4 ou 5 anos para o Lar Escola São Francisco. Lá era como se fosse hoje a AACD [Associação de Assistência à Criança Deficiente]. A AACD englobou o Lar Escola São Francisco [anos depois]
O atleta contou para Sabrina Sato que não teve a chance de fazer parte de uma família na infância e juventude.
— Não. Não fui ser adotado. Na época, várias crianças lá no Lar Escola foram adotadas. E eu pensei: “eu sem braço e sem perna, quem vai me adotar? Ninguém.”
A partir daí, ele precisou se apoiar a ajuda de médicos e especialistas de várias áreas. Sem contar as cirurgias que precisou fazer, que não foram poucas.
— Esse dedo não tinha. Ele foi um enxerto da minha barriga e pedaço do osso da minha perna. Foram os médicos da época que tiveram ideia de fazer. Ao todo, eu fiz quase 50 cirurgias no meu corpo todo. O maxilar eu não tinha e eles colocaram quando eu tinha 15 anos.
Sabrina quis saber como Kaike aprendeu a falar sem a língua.
— Antes, eu não falava nada. Tanto é que com 11 anos de idade a minha mentalidade era de uma criança de 7 anos. Porque eu não conseguia falar, não conseguia pegar nas coisas, não conseguia fazer nada
— Para você ter uma ideia, com 15 anos e quando aparecia alguma menina para fazer visita, usava babador porque eu babava muito. Imagina com 15 anos e usando um babador. Morria de vergonha. No Lar Escola, tinha fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, teve todo um aparato para me ajudar. Com 18 anos, minha mentalidade já era acima do normal.
Em seguida, o mesatenista relembrou um episódio de sua vida que deixou Sabrina em choque.
— Teve uma época na minha vida que o Lar Escola deu um estágio para fazer em uma banca de jornal. Trabalhei um mês nessa banca e aí o dono falou para mim: “Kaike, você não precisa mais vir. Não estamos mais precisando”. Uma semana depois, saiu no jornal que eu assustava as pessoas.
A apresentadora se indignou.
— Isso no seu primeiro emprego! Ou seja, era para você ser traumatizado e nunca mais querer sair do Lar.
Ao contrário do que fora publicado em um jornal da época, Kaike contou que era benquisto pelas pessoas.
— Não era a verdade. Tudo mundo gostava de mim. Daí, a minha sorte era que o Lar Escola tinha psicólogo, fizeram minha cabeça e superei essa parte.
A Japa se comoveu.
— Nem se a gente quisesse inventar um personagem, inventar uma lenda, inventar uma história, seria tão magnífica e tão grandiosa quanto a sua história de vida.
Após crescer e deixar a casa de apoio, Kaike se emocionou ao relembrar como era viver sem ter uma família.
— Eu lembro que logo quando saí do Lar Escola, com 18/19 anos, eu estava sozinho e morava sozinho. Mas eu saia na rua com chuva, olhava as casas, as pessoas festejando o Natal e chegava em casa com lágrimas nos olhos porque eu nunca tive uma família.
— Sabe qual era o meu maior medo, antes de vencer na vida? Chegar o momento de sair do Lar Escola, não conseguir emprego e ficar pedindo esmola na rua. Isso era meu maior medo. E eu pensei: nunca vou fazer isso, usar minha deficiente para pedir esmola.
Para superar o novo obstáculo, ele não fez outra coisa a não ser se dedicar, como Sabrina explicou.
— Por isso, você estudou bastante e trabalhou muito. Quatro empregos por dia! Como que você aprendeu a falar? Quem que te ensinou a falar já que você é uma das únicas pessoas do mundo que fala sem ter a língua? Não é que ele não tem um pedaço da língua. Ele mostrou: ele não tem nada.
Kaike, um das cinco pessoas no mundo que fala sem a língua, contou com mais detalhes.
— No Lar Escola, tinha fonoaudiologia. Então, eles falaram: vamos pegar o Kaike e estimular ele a falar. Com grande esforço e grande luta, incansável, todo dia ia à fono e ficava de 2 a 3 horas até conseguir
— Para você ter uma ideia, o próprio Lar Escola não acreditava que eu ia chegar onde eu cheguei hoje. Eles pensavam que eu seria uma pessoa que sempre iria depender de outra pessoa. Sou totalmente independente e cheguei a morar dez anos sozinho.
A apresentadora também ressaltou o trabalho de quem ajuda a tornar a superação possível.
— Eu fico impressionada também com essas pessoas que são anjos, as pessoas que estão lá o tempo inteiro, te auxiliando, te ajudando, ajudando todas as crianças da AACD.
Para Kaike, a ajuda deles é fundamental.
— Eles estão dando todo o apoio para as crianças das AACD para, quando chegar à fase adulta, ser alguém na vida. Não precisar de outras pessoas. Trabalhar, estudar. Inclusive, adversários meus no tênis de mesa são de lá também
A partir daí, Sabrin ficou mais curiosa.
— Quem é seu adversário mais perigoso?
Ele respondeu sem pestanejar.
— É o Carlos Liceo. Aqui nas Américas, ninguém tinha conseguido ganhar dele há mais de 15 anos. Eu fui o único que ganhei dele
Antes de se dedicar ao esporte, ele decidiu estudar Citologia na faculdade e trabalhou com microscopia por 30 anos em um hospital
Para relembrar os velhos tempos, a Japa levou um microscópio para ele. Sabrina brincou com a produção que acompanhava a reportagem.
— O que a gente vai ver aqui? Dá uma gota de sangue alguém aí… [risos]
A apresentadora também aproveitou para dar uma olhadinha no equipamento.
Quem pensa que as habilidades do esportista terminam por aí está enganado! Kaike também toca muito bem xilofone.
Antes de tocar uma canção de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, ele brincou.
— As músicas que eu toco são de 1800 e lá vai cacetada.
Além da emoções na profissão e no esporte, Kaike também se tornou pai de um menino. Sabrina quis saber mais sobre a experiência.
— Uma pessoa que mudou muito a sua vida foi o seu filho. Como é ter um filho?
Ele contou o quão foi importante ter um filho.
— Sempre quis ter alguém do meu sangue, como nunca conheci ninguém da minha família. Mas eu tive a sorte de conhecer a mãe do meu filho. Nasceu meu filho Igor. Um tempo depois, ela ficou muito doente, precisou fazer um tratamento fora de São Paulo, ficou muito tempo fora e eu fiquei cuidando do meu filho.
— No começo, minha cunhada ficava tomando conta dele. Com o tempo, ela casou e foi morar fora. Então, quis contratar alguém para cuidar do meu filho durante o dia, enquanto eu trabalhava, e à noite ficava para cuidar dele. Trocava a fralda dele de perto.
— Nessa época foi difícil porque eu demorava mais de uma hora para trocar meu filho. Com o tempo, fui pegando o jeito e bati o recorde de conseguir em 10 minutos.
— Quando terminava de me trocar, ia tomar banho. Tomava banho e voltava e tava lá ele todo sujo de novo. Ter filho foi a melhor coisa. Foi aí que descobri o que é ter uma família. Hoje eu tenho filho, nora e dois netos.
A Japa também conheceu a casa de Kaike.
Como bom anfitrião que é, ele preparou um café caprichado para ela.
Toda a emocionante história de Kaike se tornou um livro.
Fonte: R7