Para muitos, Gana é um país lindo, seguro, a joia da coroa da África Ocidental. Mas há um lado sombrio que poucos conhecem.
Muitos no país acreditam que deficiências não são um obstáculo físico ou mental, mas uma doença espiritual ou maldição que pode ser curada por rezas ou confinamento. E, em alguns casos, por violência física.
O casal Beatrice e Alfred vive na capital, Acra. Ambos têm deficiências e dependem de cadeira de rodas. Mas, com um filho de 4 anos para educar, e contas para pagar, trabalham duro para levar dinheiro para casa.
Beatrice teve pólio e sofre de baixa auto-estima. As oportunidades de trabalho são escassas e ela conta ter passado a vida toda no ostracismo. Hoje, o que faz é sentar na beira da rua sob o sol forte e vender laranjas.
Não é preciso muito tempo para observar que são poucos os negócios: clientes preferem outros vendedores assim que a veem numa cadeira de rodas.
“É normal”, diz ela, quase sussurrando. “Eles acreditam que irão pegar alguma doença.”
Mas pensamentos como este não são a pior coisa a existir em Gana.
Olhar de pânico
Num campo espiritualista muçulmano perto de Acra, a sala de espera está lotada de homens e mulheres com deficiências, que esperam ser curados. É possível ouvir gritos vindos de uma das cabanas de madeira e concreto.
Uma jovem e sua mãe saem dali. A menina, de cerca de 11 anos, tem lágrimas, sangue e catarro escorrendo de seus olhos e nariz. Ela grita descontroladamente, e cai debilmente no chão. A mãe tenta segurá-la, mas também está em prantos.
Os olhos da criança revelavam medo e pânico. A mulher responsável pelo campo havia colocado “remédio” em seus olhos, nariz e ouvidos, porque acreditava que a menina tinha uma “maldição”. Na verdade, ela era epiléptica.
Por todo o campo, homens e mulheres estavam algemados por terem algum tipo de deficiência mental ou física. As correntes eram parte do tratamento, juntamente com espancamento e fome.
Desorientado e claramente atordoado, um homem estava coberto em suas próprias fezes e bebia sua urina. Um segundo também comia as próprias fezes e um terceiro se masturbava. A maioria chorava e alguns estavam apenas em silêncio.
Um funcionário justificava este método como tratamento para curar a doença espiritual que causa deficiências.
Este não é um caso único. Por todo o país, deficientes enfrentam dificuldades: nenhuma acesso a equipamentos, educação, transporte, tratamento médico ou trabalho. O resultado é que muitos vivem em pobreza absoluta.
O estigma ligado a pessoas com deficiência e suas famílias tem consequências chocantes – incluindo confinamento e tortura.
Há, ainda, relatos não-confirmados de que crianças com deficiências são sacrificadas, em sessões comandadas pelo chamados “sacerdotes-feiticeiros”.
O governo de Gana tem sido pressionado para agir contra estas violações de direitos humanos.
O relator especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre tortura, Juan Méndez, disse que o tratamento de pessoas com problemas psicossociais pode ser considerado como tortura. Ele destacou o acorrentamento de doentes mentais a árvores, falta de alimentação e o uso de terapia de choques elétricos sem anestesia.
O relatório de Méndez foi apresentado no ano passado ao conselho em Genebra – mas parece que pouco foi feito para solucionar os problemas.
Sophie Morgan usa cadeira de rodas há 12 anos após sofrer um acidente de carro aos 18 anos e ficar paraplégica. Ela apresentou o documentário The World’s Worst Place to be Disabled? (O Pior Lugar do Mundo para ser Deficiente?), da BBC. Ela esteve em Gana em novembro e disse que as coisas que viu fizeram com que desejasse nunca mais retornar ao país. Ela vive no Reino Unido.
Fonte: bbc.com