Escritor com paralisia cerebral adapta chave de fenda para digitar romance
As dificuldades motoras, consequentes da paralisia cerebral, não impediram Alexandro de Andrade, de 40 anos, de escrever um livro sozinho. Com uma chave de fenda envolvida por esparadrapos, o escritor de Guarapuava, na região central do Paraná, digitou letra por letra do romance “Só o amor vale a pena”, de 160 páginas. Ele, que diz ter sofrido muito por amor, garante que o sentimento, quando correspondido, “é o ecstasy da vida”.
O livro conta a história de Fernanda, uma jovem com paralisia cerebral que se apaixona por Richard, um rapaz de família rica. Em meio aos obstáculos, ela tenta provar que o amor entre os dois é, sim, possível. “O livro é dedicado a todas as pessoas que enxergam além das aparências”, explica.
Persistência
Alexandro demorou quase 2 anos para escrever a obra. Foram dias inteiros trancado no quarto, em frente ao computador doado por amigos. No começo, pela falta de coordenação, a chave de fenda esbarrava em algumas teclas e, de repente, a janela do Microsoft Word fechava. Então, todo o texto se perdia e ele era obrigado a recomeçar.
Mas a teimosia do escritor não o deixou desistir do seu sonho. Com muita paciência, Alexandro terminou de digitar toda a história no computador – com letras enormes porque o estrabismo não permite a ele enxergar caracteres miúdos.
Após meses e meses de dedicação, o texto foi, finalmente, para edição e publicação. Ao longo do caminho, o exemplo de superação do escritor comoveu muita gente que ajudou o sonho de Alexandro a se tornar realidade: desde a professora que revisou todas as páginas do romance até a empresa que doou os papéis para a impressão.
A história dele também mexeu com leitores de todo o país. Até agora, quase 400 cópias do livro já foram vendidas, a R$ 5 o exemplar. E ele comemora a venda de cada unidade. “Um sonho de muitos anos”, define.
Até agora, já foram vendidas 400 cópias do romance de Alexandro (Foto: Alana Fonseca/G1)
Inspiração
Para escrever o romance, ele diz que se inspirou na própria vida e cita um trecho para explicar o que realmente pensa sobre o amor. “Devemos amar a nós mesmos, amar ao próximo, amar alguém especial. Enfim, amar no sentido completo da palavra. Só o amor nos torna completos e humanos”, acredita.
Alexandro, que nunca teve uma namorada, confessa que sofreu por amor quando se apaixonou por uma de suas professoras. O sentimento, infelizmente, não foi correspondido. “O amor me machucou muito. Ainda dói. Mas ainda vou encontrar a pessoa certa. Por enquanto, a minha mãe é o meu único amor. É tudo para mim, meu anjo da guarda”, diz.
Amor de mãe
Alexandro nasceu quando a mãe, Neusa Maria Grutka Crissi, tinha apenas 16 anos. Ela conta que só soube da lesão no cérebro do filho 1 ano após o parto. “No hospital, não me falaram nada. Ele parecia um bebê saudável, bem gordinho. Eu, muito nova e de origem humilde, nem desconfiei. Com o passar dos dias, notei que havia algo errado”, relata.
Só o amor nos torna completos e humanos”
Alexandro de Andrade, escritor
Quando recebeu o diagnóstico, Neusa prometeu a si mesma que faria de tudo para o filho levar uma vida normal. Apesar das severas restrições de movimento e de fala, a paralisia cerebral não afetou a inteligência de Alexandro, o que deu muita esperança para Neusa. “Nunca o tratei como se fosse diferente dos outros”, garante.
Os estudos
Dos 9 aos 20 anos, ele frequentou a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). Durante o período, a mãe conta que o filho aprendeu a ler e a escrever. “Um pouco antes de o Alexandro frequentar a Apae, eu comecei a ensiná-lo. Ele aprendeu o básico comigo, em casa, e, depois, foi se aperfeiçoando”, explica.
Mas a vontade de estudar não parou por aí. Depois de ir à associação por 11 anos, Alexandro decidiu que queria ter os diplomas dos ensinos fundamental e médio. Após um longo tempo de espera, ele, finalmente, passou a assistir às aulas no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (Ceebeja).
“Lutei muito para que meu filho conseguisse estudar. Foi um desafio. Tenho fama de ser uma pessoa briguenta. Mas, até hoje, só briguei com os outros para defendê-lo. E vou continuar assim até o fim”, justifica. Em 2002, então, ele conseguiu concluir os estudos.
Desde então, o maior sonho de Alexandre tem sido cursar publicidade e propaganda em uma faculdade. Mas, segundo ele, está um pouco difícil de conseguir. Enquanto luta por uma vaga no ensino superior, o escritor segue sua vida em um quartinho no bairro Boqueirão: prepara o segundo livro, assiste a três novelas e ouve, todos os dias, as canções de Fábio Jr, sonhando também com um final feliz.
Fonte: G1