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Um terço dos municípios não tem deficientes no emprego formal

Christian Guerrato tem pós-graduação e fala três idiomas, mas pena para encontrar uma vaga – Gustavo Stephan

Dado faz parte de levantamento feito pela Organização Internacional do Trabalho.

RIO – Inclusão, um conceito ainda abstrato para pessoas com deficiência que tentam se firmar no mundo do trabalho brasileiro. No país do pleno emprego, cerca de um terço dos municípios não tem nenhum deficiente empregado no mercado formal. Apesar da lei de cotas nas empresas privadas e da reserva de vagas em concursos no serviço público, chega a 1.751 (31,5%) o número de municípios onde os deficientes estão, na prática, excluídos do emprego de qualidade. A conclusão faz parte do Sistema de Indicadores Municipais de Trabalho Decente, ampla base de dados reunida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que leva em conta a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2012.

E não é por falta de procura. Nesses municípios, havia à época 61,5 mil pessoas com deficiência severa que estavam à procura de emprego. Em 72% dessas cidades, a administração pública respondia por mais da metade do emprego formal como principal empregadora. Não chegava a 1% a parcela de pessoas com deficiência ocupadas no total do mercado formal.

Se conseguir uma vaga já representa um desafio, permanecer no emprego e exercer a função para a qual foi contratado tornam ainda mais complexa a realidade desses trabalhadores.

Com 70% da visão, o carioca Christian Guerrato encontra dificuldades de conseguir um emprego compatível com sua formação. Com diploma em Administração, tem pós-graduação em Marketing e cursa atualmente MBA em Comunicação Empresarial, além de falar três idiomas. Mesmo assim, o primeiro emprego que conseguiu há cinco anos foi como empacotador. No ano passado, outra experiência frustrante. Foi contratado como analista de merchandising. Apesar de ser uma vaga de ensino superior, na prática, suas funções se limitavam a carregar latas de tinta e colocar preço em produtos na gôndola. Depois de três meses de experiência, foi demitido.

– A justificativa foi “não cumprir a função”. Fiquei magoado porque você sabe que está com desvio de função. Em vários empregos, não foram poucas as vezes em que ouvi “Nossa, você consegue fazer isso?” – conta Guerrato. – A dificuldade está na mente das pessoas.

O caso de Jandirlei Andrade Candido também mostra que as dificuldades vão além de conseguir ser contratado. Ele tem 38 anos e perdeu boa parte dos movimentos da coluna aos 18, quando levou um tiro no peito ao tentar apartar uma briga. Concluiu o ensino médio, mas ainda não conseguiu terminar uma faculdade e já teve de abandonar empregos por dificuldades de adaptação.

Como bancário, tinha problemas com escaras devido às muitas horas de trabalho na mesma posição. Também desistiu de empregos por serem longe demais de sua casa, em Realengo. Hoje ele trabalha em um projeto de sensibilização, como agente de inclusão escolar. Vai para a escola municipal, onde tenta mostrar para os alunos que pessoas com deficiência podem levar uma vida independente, em seu próprio carro.

– Se fosse depender do transporte público adaptado, não conseguiria emprego. Os ônibus são horríveis, não posso esperar nada deles. O meu carro adaptado hoje são minhas pernas – afirma.

O desconhecimento ainda é o pior handicap dos empregadores, atesta quem tenta facilitar a relação entre empresas e trabalhadores com necessidades especiais. Casos como de uma grande empresa farmacêutica no Rio que contratou surdos com uma crachá diferenciado e os deixou sem orientação e horário não são raros. Segundo Teresa Costa D’Amaral, superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD), para muitas empresas o trabalhador com necessidades especiais ainda não é visto por seu potencial, e sim como um fardo.

– Algumas empresas chegam até nós e dizem não entender porque não conseguem contratar pessoas com deficiência. Acham que será muito custoso fazer as adaptações e não querem gastar com softwares ou rampas – afirma Teresa.

O perfil mais procurado pelas empresas privadas entre as pessoas com deficiência é o de pessoas com nível médio, conhecimento em informática e perfil administrativo. Segundo Teresa, a preferência é por deficiências que sejam pouco visíveis e impliquem pouca ou nenhuma alteração no ambiente de trabalho. Das 232 vagas oferecidas pelas empresas privadas intermediadas pelo IBDD no ano passado, 77% eram para auxiliar ou assistente administrativo, com exigência de ensino médio e informática. Apenas duas pessoas surdas e uma cega foram contratadas, e somente 2,5% das vagas eram destinadas a pessoas com nível superior completo ou incompleto.

– Isso acaba significando que muitos profissionais com ensino superior aceitam trabalhar em cargos cuja exigência é de nível médio apenas, exercendo funções que muitas vezes estão aquém do seu potencial, por falta de oportunidade melhor. São advogados ou jornalistas formados, que dificilmente conseguem atuar em sua área – explica Teresa, do IBDD.

A exclusão de pessoas com deficiência começa cedo. Entre as crianças de 6 a 14 anos com deficiência motora severa (que não conseguem andar ou subir degraus), a proporção das que não frequentavam escola chegava a 31,4% em 2010. Dez anos antes, era ainda maior: 56,1%, segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, em 2014.

Por enquanto, Guerrato sonha com o dia em que não precisará mais das cotas para conseguir um emprego:

– Concordo que a lei de cotas precisa existir hoje, mas desejo que ela não continue para sempre.

 

Fonte: O Globo