Aos 38 anos de idade, Juliana Negrão de Faria vai enfrentar pela primeira vez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Os instantes que antecedem a aplicação de provas, que começa neste sábado (8), são de ansiedade. Juliana não está sozinha, já que terá a companhia de outros 129 colegas do cursinho preparatório gratuito que frequenta em Pouso Alegre (MG). Nem por isso o desafio é menos solitário. Diagnosticada ainda muito criança com déficit intelectual, o resultado do exame está longe de ser apenas uma importante porta de entrada para o ensino superior do país.
“Eu tenho o que chamavam antigamente de deficiência mental. Você conversa comigo e nem percebe, mas eu tenho”, conta com desenvoltura uma das mais aplicadas alunas do curso pré-Enem. “Mas eu estudo bastante. Eu gosto de aprender e quero ser psicóloga. Esse é o meu último grande projeto de vida.”
Por que psicóloga? “Para ajudar outras pessoas que, como eu, enfrentam dificuldades para encontrarem o seu lugar no mundo. Eu já tive depressão e foi uma psicóloga que me ajudou. E também porque tenho vontade de estudar a mente das pessoas e o comportamento. O ser humano é muito difícil”, observa Juliana.
Superação
Até o quarto ano do ensino fundamental, a estudante frequentou escola especial. Embora esteja na categoria leve, o déficit intelectual que possui torna o aprendizado um pouco mais lento do que o das pessoas sem o mesmo problema. Já adolescente, Juliana chegou à quinta série com a oportunidade de frequentar o ensino regular. Ela passou de ano, mas abandonou os estudos quando a mãe ficou doente.
Em um intervalo de cinco anos, Juliana perdeu o pai, um advogado bem sucedido, e a mãe, vítimas de problemas de saúde. A mulher que sonha hoje em ser psicóloga se viu então peregrinando em busca de sua própria identidade.
“Eu passei por momentos difíceis. Eu fiquei em um pensionato para idosos, depois consegui fazer com que meu curador me comprasse uma casa, porque meu pai me deixou uma casa, mas ela foi vendida sem minha autorização”, relembra. “Depois cheguei a passar fome, entrei em depressão, mas com a ajuda dos vizinhos e de Deus encontrei forças para lutar por mim”, comemora.
Há cerca de três anos, a estudante mudou de curador, que é a pessoa considerada capacitada para cuidar de bens e negócios de quem é julgado incapaz, como é o caso de alguém com deficiência intelectual como Juliana. Enquanto o Poder Judiciário tentava ressarcir seus direitos, ela começou a ter vontade de voltar a estudar. Pelo sistema de educação voltado para jovens e adultos (EJA), a moradora de Pouso Alegre conseguiu recuperar o tempo perdido e concluiu os ensinos fundamental e médio. Segundo ela, agora só falta a faculdade.
“Eu fico um pouco nervosa. É difícil essa prova e eu não sou boa com matemática. Aqui falam que é preciso fazer pelo menos uns 800 pontos para ter chance de entrar na faculdade com a nota do Enem”, observa , mas garante que essa perspectiva não a desanima. “Bem… se eu não conseguir, ano que vem estou aqui de novo. Não tem problema”, diz com um sorriso de satisfação.
Determinação
A preparação de Juliana para o Enem deste ano começou em agosto de 2013, quando foi selecionada para o curso municipal pré-Enem e pré-vestibular. Segundo a coordenadora pedagógica do curso, Ana Shirley Kimura Fernandes, a candidata conseguiu uma vaga quando saiu a lista da segunda chamada e apresentou desempenho para acompanhar os alunos das turmas regulares no mesmo ritmo.
“A Juliana não precisou de nenhum critério especial para ser selecionada. Disputou a vaga como os outros e assiste aulas junto com os demais alunos, sem precisar de algum atendimento especial. Eu acredito que ela pode ter um bom resultado no Enem”, diz a coordenadora.
A diretora Avida, Maria Águeda Fraga de Oliveira, também está na torcida por Juliana. Na instituição de apoio aos deficientes, além de usuária, a estudante faz estágio como secretária e é instrutora de informática. “Ela é muito esperta e empenhada. E eu acho bonito que ela queira ter um curso superior para ajudar os colegas que frequentam a instituição”, diz.