visitou as 12 cidades-sede do Mundial e gravou um documentário sobre as dificuldades dos passageiros com deficiências físicas
“Por um erro médico, tive paralisia cerebral na hora do parto. Desde então, tenho dificuldades de movimentar o lado direito do corpo. Isso nunca foi desculpa para que eu ficasse parada. Há dois anos fiz um intercâmbio para estudar inglês em Las Vegas, nos Estados Unidos. Quando fui buscar minhas malas no aeroporto, percebi que os fios da minha scooter (carrinho motorizado para quem tem mobilidade reduzida), que eu havia despachado de São Paulo, haviam quebrado durante o voo.
Pensei: ‘Se isso aconteceu com uma bagagem especial, imagina com o resto. Imagina na Copa!’
Voltei de viagem com aquele questionamento na cabeça. Queria saber como (e se) os nossos aeroportos estariam preparados para receber não só os turistas estrangeiros para o mundial, mas também os passageiros com deficiências físicas. Somos muitos. Precisava investigar. Como tenho dificuldades de digitar, e sou muito falante, o documentário me pareceu o formato ideal de fazer isso.
Ao longo de 2013, viajei pelas 12 cidades-sede da Copa do Mundo. Sempre de avião. A bordo da minha scooter, passei por 15 aeroportos. Um amigo-cinegrafista me acompanhou nos trajetos e não deixou de filmar uma cena sequer. Arquei com todas as despesas das viagens e tentei variar de companhias aéreas para experimentar os mais diversos tipos de atendimento. Para economizar, não desgrudava de sites de promoções de passagens aéreas. Como estava cursando Direito, não podia faltar na faculdade. A maior parte das viagens aconteceu nas férias letivas e nos finais de semana. Só faltei um dia na aula, uma sexta-feira.
Na maioria das viagens, eu não dormia na cidade. Chegava no aeroporto pela manhã, passava algumas horas lá, e voltava para casa no mesmo dia. Testava as barras de apoio dos banheiros, os adesivos antiderrapantes no chão e as plataformas elevatórias para embarque e desembarque de cadeirantes. Enchia os funcionários dos balcões de informação de perguntas. Observava quem estacionava nas vagas para deficientes e se havia táxis acessíveis na porta dos aeroportos.
Tive dificuldades com algumas companhias aéreas de conseguir assentos na primeira fileira do avião — como garante a lei às pessoas com deficiência. Foi preciso argumentar intensamente com os funcionários de algumas empresas. Nos saguões de espera, vi muitos assentos especiais ocupados por não deficientes. Inclusive, por suas mochilas. Outra coisa que me chamou a atenção foi o uso inadequado de banheiros. Muitas pessoas, principalmente membros das tripulações, acabam usando as cabines reservadas porque têm espelhos maiores e são mais espaçosas. Uma tremenda falta de respeito, já que há muitos banheiros disponíveis para não deficientes.
Enquanto estava nos aeroportos, tentava olhar não só para as minhas próprias dificuldades, de locomoção, mas me colocar no lugar de pessoas com outros tipos de deficiência. Para os cegos, faltam informações em braile. Os surdos também passam por problemas complicados. Pouquíssimos funcionários sabem se comunicar em Libras (a Língua Brasileira de Sinais). Em um dos aeroportos, perguntei aos funcionários do posto de informação se falavam em Llibras. Com um sorriso, responderam: ‘Vai no grito mesmo’.
Em outro aeroporto, quando estava naquele ônibus que nos leva do terminal até o avião, pedi a um funcionário que me ajudasse a prender a cadeira de rodas em que me transportaram, pensando na segurança do transporte. Ele disse: ‘Não precisa, eu te seguro”. Pode não parecer, mas é muito perigoso para um cadeirante andar de ônibus sem cinto de segurança. Certa vez, fui esquecida dentro do avião e não tive ajuda para desembarcar. Sei que não foi por mal. É despreparo.
Como bacharel em Direito, li a fundo o que garante a legislação brasileira aos deficientes físicos. Não é pouca coisa. Na prática é que fica difícil. Posso dizer que nenhum dos aeroportos brasileiros que visitei está 100% preparado para receber passageiros com deficiências físicas. Mais do que estrutura para garantir a acessibilidade, é preciso preparo dos funcionários e respeito por parte de outros passageiros. É claro que no meio do caminho encontrei pessoas solícitas e dispostas a me ajudar.Minhas experiências mais positivas foram no Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, em Manaus (AM), e no Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre (RS).
Se os passageiros sem deficiência física já têm milhões de reclamações dos aeroportos, para nós, viajar de avião é ainda mais difícil. Acho que as companhias aéreas precisam enxergar as pessoas com deficiências físicas como consumidores, e não como exceções. Até hoje, nunca viajei sozinha de avião dentro do Brasil. Por enquanto, acho que ainda não dá. Ficaria muito tensa.”
Documentarios produzidos por Nathalia Fernandez
Fonte: Época