Vestindo um equipamento robótico, que envolverá suas pernas e tronco, um adolescente paraplégico dará o chute inicial na cerimônia de abertura da Copa do Mundo, em 12 de junho. Mas, para voltar a andar, quem perdeu o movimento das pernas talvez não precise se parecer com um ciborgue.
Enquanto as vestes robóticas, ou exoesqueletos, auxiliam a locomoção do paciente, outras abordagens tentam resolver o problema de dentro para fora, ao reestabelecer a comunicação natural entre os membros e o cérebro. Técnicas como células-tronco e estímulos elétricos atuam diretamente na lesão que causou a paralisia.
No Brasil, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) tem usado estímulos elétricos para devolver a diversos pacientes a capacidade de se locomover sozinhos, ainda que com ajuda de muletas ou andadores. Pacientes com lesão na medula recebem estímulos por meio de eletrodos fixados superficialmente nas pernas. As correntes elétricas atingem as raízes lombo-sacrais do paciente, neurônios que atuam na ativação dos músculos de membros inferiores, fazendo com que eles comecem a andar de forma automática. Dessa forma, a medula aprende o movimento de caminhar por repetição, sem a participação do cérebro, em um primeiro momento.
“Trata-se de um mecanismo semelhante àquele em que a gente retira rapidamente a mão de uma superfície muito quente, por reflexo. A reação é tão rápida que não dá tempo da informação chegar ao cérebro”, explica Alberto Cliquet Júnior, professor titular do departamento de Ortopedia e Traumatologia da Unicamp e de Engenharia Elétrica na Universidade de São Paulo.
Com o tempo, o treino repetitivo da caminhada refaz a ligação entre o cérebro e o músculo, permitindo que o controle do movimento seja voluntário. Esse tratamento é aplicado tanto em pacientes paraplégicos quanto tetraplégicos, mas a movimentação dos membros inferiores só pode ser recuperada em lesões que se localizam da região do umbigo para cima (até a vértebra T-12). Mais abaixo disso, as raízes motoras são comprometidas, e a estimulação elétrica não consegue atuar.
Movimentos recuperados — Cliquet conta que um dos primeiros pacientes que voltou a andar estava paralisado há cinco anos, em razão de um tumor na medula. Ele recuperou a capacidade de flexionar o pé, e, a partir daí, ganhou movimentos até caminhar com ajuda de muletas. Outro paciente, paraplégico por cinco anos devido a uma infecção do sistema nervoso, afirmava sentir a perna esquerda quando a direita era cutucada, e vice-e-versa, após dois anos de tratamento. Três anos mais tarde, deu os primeiros passos voluntários. “É algo que acontece de um dia para o outro, com algum tempo de tratamento. Quando a conexão é refeita, os movimentos começam a voltar”, explica o pesquisador.
Para ele, esses casos de sucesso devem ser considerados “quase ficção”, porque não há garantias de que todos os pacientes terão o mesmo êxito. “Alguns conseguem caminhar com apoio de muletas ou andadores, enquanto outros apenas recuperam alguns movimentos e uma parcela sequer reage ao tratamento”, diz Cliquet. Não está claro porque a resposta aos estímulos varia, nem quais pacientes são mais propensos a obter benefícios.
Um dos obstáculos enfrentados pelos cientistas é que nem sempre os pacientes recuperam totalmente a sensibilidade nas pernas, o que prejudica seu equilíbrio e exige instrumentos de apoio. Ainda assim, o fato de voltar a caminhar, ainda que com os estímulos elétricos, já traz benefícios cardiovasculares e de ganho de massa óssea para os pacientes. O Ambulatório de Reabilitação Raquimedular do Hospital de Clinicas da Unicamp, que promove esse tratamento há mais de dez anos, está no limite de sua capacidade, realizando por volta de 100 atendimentos por semana.
Células-tronco — Em 2011, um grupo brasileiro ficou conhecido por um caso de sucesso no tratamento de lesão medular, com uso de células-tronco: o ex-policial baiano Maurício Ribeiro, de 47 anos, recuperou parte dos movimentos das pernas e voltou a caminhar com a ajuda de um andador, depois de nove anos paraplégico. Maurício participou da primeira etapa do projeto liderado por Ricardo Ribeiro, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e coordenador do Centro de Terapia Celular do Hospital São Rafael, em Salvador. Nessa fase da pesquisa, catorze pacientes tiveram células-tronco inseridas no local da lesão por meio de uma cirurgia. Atualmente os cientistas estão se preparando para iniciar a segunda fase, com 60 pacientes. Nessa etapa, as células serão injetadas na lesão com uma agulha. “O novo método é menos invasivo, e vai poder ser repetido mais de uma vez no mesmo paciente, enquanto com a outra técnica fizemos a inserção das células-tronco apenas uma vez”, explica Ribeiro.
O tratamento retira células-tronco adultas da medula óssea do próprio paciente. Essas células, chamadas mesenquimais, são cultivadas em laboratório por cerca de 30 dias, quando aumentam em quantidade, para depois serem injetadas. O objetivo principal dessas células não é reconstituir neurônios, mas liberar substâncias que estimulam o crescimento das ligações nervosas na área lesionada. “Na região da medula onde há lesão existem poucos neurônios. O maior problema é a junção nervosa, o ‘fio’ que foi quebrado e precisa ser restaurado. A célula mesenquimal secreta substâncias que diminuem a inflamação e estimulam a religação do nervo”, diz Ribeiro.
Até agora, os implantes foram realizados apenas em pacientes paraplégicos, com lesões na região lombar. A nova etapa vai incluir tetraplégicos também. As lesões tratadas são provocadas por traumas, como acidentes de automóvel ou quedas — ferimentos provocados por tiros, onde há o rompimento completo da medula, não participam das pesquisas até o momento.
O maior desafio na recuperação desses pacientes é a atrofia muscular após anos de paralisia — o que torna a fisioterapia essencial para o sucesso dessa técnica. Dentre os catorze pacientes que participaram do início da pesquisa, quatro conseguiram voltar a se locomover com ajuda de um andador. Trata-se de um resultado promissor, considerando-se que o principal objetivo do estudo era mostrar que o uso de células-tronco não acarretaria efeitos colaterais. “A expectativa é que com várias aplicações a gente possa obter resultados melhores, mas ainda é um caminho muito longo e difícil. Acredito que dentro de dez a quinze anos será possível alcançar resultados fantásticos com essa técnica”, afirma Ribeiro.
Fonte: Revista Veja