Rachel Adams, intelectual do Upper West Side, em Nova York, deu à luz um menino com síndrome de Down seis anos atrás. Nesta era de exames pré-natais avançados, a primeira pergunta que mais de um amigo fez foi: como isso aconteceu?
A princípio, a indagação parecia uma demonstração de preocupação. Porém, o significado era: como essa criança aconteceu dessa maneira?
Para Rachel, a ideia de que a própria existência do filho exija uma explicação –que ele está aqui por causa de uma falha da ciência médica– é apavorante. Seu livro é menos as lembranças de ser mãe de uma criança com síndrome de Down e mais a tentativa de esclarecer os mal-entendidos. A síndrome é uma deficiência, como ela deixa claro, e não uma doença ou tragédia.
“Raising Henry” (“Criando Henry”, em tradução livre do inglês, ainda sem edição em português) já é um livro importante e cheio de esperança por esse motivo, e é fácil torcer pelo time de Rachel. Às vezes, no entanto, gostaríamos que ela fosse uma capitã mais eficaz.
Professora de inglês e estudos norte-americanos na Universidade Columbia, ela parece mais à vontade defendendo um argumento, recorrendo a pesquisas (principalmente à dela), vendo conexões. Ela observa que, nos círculos intelectuais que frequenta, todo mundo fala em diversidade. Mas o quanto as diferenças são realmente valorizadas? “Eu me pergunto se meus amigos e colegas reconheceriam o valor de uma criança mais lenta, menos capaz e mais dependente”, diz ela no livro.
E, embora a autora ofereça muitos bons argumentos, em grande medida ela deixa a prova mais irrefutável –seu filho, Henry– de fora. Rachel escreve que ele fica à parte de seu diagnóstico, mas mal oferece uma noção de quem ele é.
Um vislumbre rápido surge no meio do livro, quando escreve que nenhum teste genético teria lhe apresentado a essência de Henry. “Eu não teria conhecido seu grande senso de humor nem o som de sua risada contagiante. Não sentiria o cheiro do seu cabelo nem saberia como ele se diverte ao cantar acompanhando a música, ou quando brinca com a água do banho; nem sentiria seu peso no meu colo quando lemos juntos.”
E só. É uma pena que tenha tão pouco disso. Comparações com os personagens vivos a povoar o livro “Far From the Tree” (“Longe da Árvore”, em português), o estudo magnífico de Andrew Solomon sobre a deficiência e as diferenças de identidade, são difíceis de evitar. Pessoas como a criança autista que diz à mãe “eu te amo” pouco antes de morrer ou a mulher que abre a própria escola para atender às necessidades do filho surdo fazem da volumosa obra de Solomon um livro difícil de se conseguir largar.
Quando Rachel estava grávida de Henry, seu segundo filho, ela e o marido, Jon, decidiram abrir mão da amniocentese, retirada do líquido amniótico que teria identificado o cromossomo extra que causa a síndrome de Down. Ela fez o exame durante a primeira gravidez e ficou chocada e assustada com a agulha comprida enfiada em seu abdome. De qualquer forma, um exame inicial da segunda gravidez sugeriu que a chance de síndrome de Down era de uma para dois mil. Ela não diz se teria abortado caso soubesse ou o que o marido gostaria de ter feito.
Uma subtrama desanimadora do livro é a crescente desilusão da autora com os médicos. Ela passou a confiar mais no próprio instinto do que nos conselhos dos profissionais da medicina –o que não surpreende, dado o péssimo comportamento que apresentaram. Por exemplo, o residente que deu os pontos após o parto saiu correndo mais rápido do quarto do que se pode dizer “períneo”. Ela descobriu mais tarde que ele devia saber que Henry tinha síndrome de Down, mas não teve coragem de contar a notícia.
Quando Henry tinha três dias de vida, um geneticista pediátrico o usou como objeto de ensino para um grupo de residentes. Apontando uma característica da síndrome de Down, “ele chegou à incubadora para demonstrar a frouxidão dos membros de Henry ao levantá-los e deixá-los cair”. Nem ele nem os residentes disseram uma palavra à mãe enquanto conversavam.
O desempenho da obstetra não foi muito melhor. Ao visitar Rachel após o parto, ela começou a chorar –o que, ainda que estranho, pelo menos, pareceu solidário. Porém, logo a atenção da médica se voltou para si mesma. “Eu olhei novamente sua ficha. Queria me certificar de que não deixei passar nada, então a mostrei aos meus colegas e todos concordam que não havia nada.”
Rachel conta que naquela hora odiou a obstetra. Mais tarde, a escritora chegou à conclusão de que se a médica a tivesse forçado a fazer a amniocentese, ela talvez não tivesse tido Henry. Ela chegou a escrever um bilhete de agradecimento à doutora.
Entretanto, o sentimento não durou. Depois de conversar com outra mãe de um filho com síndrome de Down, que foi paciente da mesma obstetra, Rachel percebeu que as lágrimas não eram de preocupação pelos desafios a serem encarados pela nova mãe, mas por lamentar que Henry tivesse nascido.
Rachel nunca mais voltou a ver a médica, no entanto, com esse livro, ela demostra bem o que pensa.
Fonte: Bol