Filho que ajuda pai cego diz que valoriza as coisas simples da vida
O estudante de engenharia civil Renato Marques dos Santos, de 17 anos, lembra que aos 4 anos aprendeu a identificar a cor das linhas de ônibus e se atentar para o trânsito em Campo Grande. Tudo para auxiliar o pai, Nivaldo Santos, 38 anos, que é deficiente visual.
O homem sofreu um acidente com uma bombinha, típica de festas juninas, aos 6 anos, que o deixou com a visão parcial até os 15 anos. Chegou a fazer três transplantes de córnea, que não tiveram sucesso porque o nervo óptico sempre esteve prejudicado por conta do acidente. Um glaucoma o fez perder totalmente a visão em 2002.
“Com 5 anos, o Renato já lia os panfletos e fazia saques no caixa eletrônico. Todo mundo acha que filho de cego é mais inteligente, mas nós que exploramos mais as habilidades deles”, diz Nivaldo.
Com o passar dos anos, ele conta que o filho mais velho passou a auxiliá-lo em diversas situações. Hoje, é ele quem faz as transações bancárias pela internet e auxilia o pai a utilizar o computador, além de acompanhá-lo para levar a filha caçula, Ana Clara, de 4 anos, à escola.
Apesar da pouca idade, Renato virou um braço direito da casa, já que a mãe, Margareti Marques de Arruda, de 42 anos, também é deficiente visual. A relação próxima com o rapaz fortaleceu os laços, segundo ele. “Muitos pais não têm a proximidade que eu tenho com meu filho. Ele é um garoto muito diferente da molecada da idade dele”, diz.
O pai conta que consegue fazer a maioria de suas atividades de rotina sozinho, seja em casa ou fora. Ele pratica xadrez e faz parte do time de futebol de salão da Associação dos Deficientes Visuais de Mato Grosso do Sul (ADVI-MS). No entanto, admite que a ajuda do filho torna tudo mais fácil.
“Lidar com as pessoas com deficiência faz a gente valorizar coisas pequenas que muita gente não enxerga: as coisas simples da vida”, afirma o estudante.
A pequena Ana Clara segue os passos do irmão. Nivaldo conta que caiu com a menina em um bueiro, quando ela tinha 2 anos, no trajeto da escola. “Agora, ela sempre avisa quando há buracos no meio do caminho ou se vem algum carro para podermos atravessar a rua”.
Mesmo com a deficiência, Nivaldo diz que retomou os estudos, interrompidos aos 16 anos por conta da visão. Concluiu o ensino médio e se formou em administração há cinco anos. Agora, ele já projeta estudar e prestar concursos em 2015.
Já Renato, que começou mais cedo na escola, quer concluir o curso de engenharia civil e estudar fora do estado ou do país. O pai diz que já se prepara psicologicamente para, um dia, perder o companheiro. “Quem não gostaria de ver o filho estudar fora? Vou ter que acostumar, pois um dia não vou tê-lo ao meu lado.”
G1