Empresa que criou tradutor para Libras tem pessoa com deficiência auditiva entre seus criadores
O aplicativo ProDeaf Móvel, lançado esse mês em São Paulo, tem a missão de ajudar os surdos do Brasil na superação de uma de suas principais barreiras: a comunicação. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, existem quase 10 milhões de pessoas com alguma deficiência auditiva no País. Desses, 2,5 milhões não compreendem a Língua Portuguesa. Para Marcelo Amorim, surdo e um dos fundadores da empresa ProDeaf, essa é a maior dificuldade na inclusão, tanto na vida social, como na carreira profissional. “É como se fosse um brasileiro morando na Arábia Saudita, trabalhando numa empresa árabe, sem entender árabe. Será que os árabes realmente o incluiriam, traduzindo absolutamente tudo?”, compara.
Nesta primeira versão, o aplicativo, gratuito e por enquanto disponível apenas na versão Android, reconhece a voz do usuário e traduz a fala diretamente para Libras, executada por um personagem na tela do celular. Para isso, utiliza como base um dicionário de cerca de 3.700 sinais, número que deve aumentar, permitindo o uso de sinais específicos de determinadas regiões do Brasil. “Queremos melhorar a interação entre surdos e ouvintes, queremos que o aplicativo deixe as pessoas à vontade, falando normalmente”, afirma Amorim.
Marcelo Amorim serviu como inspiração para a criação do programa. A ideia surgiu quando João Paulo Oliveira, hoje CEO da empresa, conheceu o colega surdo no mestrado em computação na Universidade Federal de Pernambuco. O desenvolvimento do aplicativo levou dois anos e contou com a participação de 12 profissionais, incluindo designer, intérpretes, linguistas e programadores, liderados por Oliveira, pelo Chief Operations Officer Flávio Almeida e pelo Chief Technology Officer Amirton Chagas. O projeto teve também a colaboração de surdos, cujas opiniões serviram como base para melhorias até a primeira versão lançada. Graças a subsidio do Grupo Bradesco Seguros, sua distribuição é gratuita.
Marcelo Amorim nasceu surdo, em consequência de rubéola contraída pela mãe durante a gravidez. Desde a primeira infância, foi incentivado a treinar a fala, com uso de aparelho auditivo. Quando tinha 13 anos, porém, deixou de usar o aparelho. “Só queria saber de surfar”, explica. Na infância e adolescência, passou por oito escolas diferentes, no Recife e em Porto Alegre. Estimulado desde cedo, viciado em conversas na Internet e com vários amigos ouvintes, Amorim aprendeu bem o Português. Só aos 17 anos, ingressou em uma escola específica para surdos. “Só então, conheci amigos surdos, professor surdo e aprendi Libras”, lembra. “Tive uma paixão à primeira vista com Libras, aprendi com muito mais facilidade do que a Língua Portuguesa”, afirma.
A facilidade proporcionada pela comunicação virtual aproximou Amorim dos computadores. Estudou Sistemas de Informação, primeiramente na Ulbra, em Canoas/RS, transferindo-se posteriormente para a Faculdade Santa Maria, em Recife/PE. Hoje, Amorim mantém muitas atividades. É colaborador da Fundação para Inovações Tecnológicas, como especialista em desenvolvimento de software, professor de Libras nas Faculdades Integradas Barros Melo, na Universidade Salgado de Oliveira e na Universidade Católica de Pernambuco, coordenador de acessibilidade do Nordeste da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos e vice-presidente da Federação Pernambucana Desportiva de Surdos.
Graças a suas ocupações, Amorim está acostumado a trabalhar e auxiliar outros surdos, mas se diz particularmente honrado por ter participado do desenvolvimento do aplicativo da ProDeaf. “Há uma frase que me acompanha há muito tempo: uma ideia sem execução é um sonho. Tenho muitos sonhos, mas um deles foi transformado em ideia graças aos amigos pernambucanos, que estão, de fato, promovendo uma melhor inclusão social”, finaliza.
Fonte: Terra